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AGENDA

07/06/09

Vergílio Ferreira: Em Nome da Terra


A obra de Vergílio Ferreira está a ser reeditada pela Quetzal. Surgiu agora Em Nome da Terra, essa magnífica e pungente narrativa de um profundo amor. É impossível não ler. É um livro que dói, mas é assim, a moer a alma com dor, que o homem conhece, enfim, o outro homem, todos os outros homens que são o humano, se sente pó na Humanidade, na sua pequenez exterior, alçado porém ao divino pela sua sobredimensão íntima.

João Vieira - descobri-lhe o nome na página 138 da edição em que o li, ainda a da Bertrand - juiz, está internado num lar, um «lar de repouso», na casa em que «apodreço devagar e em que os filhos me meteram». Vive aí a miséria da sua degradação física, a deterioração da inteligência, a indignidade da perda da sua condição, uma perna amputada. Quantas histórias de pais, avós, tios nos perseguem a má consciência, relendo-as aqui nestas folhas escritas com lágrimas. Quanta possibilidade de arrependimento, antes que a vida torne impossível o arrependimento em vida.

Resto de pessoa, a um passo de se indiferenciar com tudo o que apenas subsiste, ama com a totalidade de si, recorda quanto amou, e todo o livro é uma das mais belas cartas de amor que se pode escrever quando o amor está já na terra da impossibilidade, perdidas todas as esperanças, sobejando só o mundo que poderia ter sido.

O seu dia são «velhos e velhos, imundície, dejectos do homem, restos atirados para fora do alcance de serem gente. Tortos, taralhoucos, um cheiro insuportável excrementício, amontoavam-se uns nos outros a ouvir». Todos os que «têm a mania de estar vivos com as suas coisas à volta a dizerem-lhes que sim», todos «mais ferrados à vida do que as moscas às mulas». «Velhos irremediáveis», velhos de «boca rota», «remoendo-a, salivosa», teimosamente indiferentes, que «não rebentam de vez».

Há neste livro uma sordidez indesmentível feita de verdade. Há nesta prosa um ódio profundo oriundo do rancor ante a certeza da imperfeição, um desespero que arranca das entranhas do ser e que grita pela existência, pela plenitude, pelo belo, pelo céu.

E eis então o instante para o qual converge toda a escrita, do qual o livro é uma longa preparação, tímida, feita da vergonha de um amar serôdio, fora do limite em que a idade já o ridiculariza, tornando-o uma perversão obscena, os ossos gargalhando, o mundo atónito.

«Sei apenas que me veio uma vontade imensa de te amar. De te amar no impossível, que é onde vale a pena todo o possível. De te amar onde nada seja real. No absoluto. Onde não há miséria e degradação e abandono e maus cheiros. Nem podridão e desespero humano. Nem loucura. Nem morte». Mónica!

Vergílio Ferreira estava em riscos de ser esquecido porque os seus livros se esgotavam, porque a Aparição se tinha tornado texto odioso, porque obrigatório no secundário. Ei-lo de volta até nós. É um homem triste, uma escrita que atinge o que há de desolação nas nossas vidas. Mas é uma escrita de sagração da Primavera dos graves sentimentos e de todos eles a iniciação no sacramento indissolúvel do Amor: «Eu te baptizo em nome da Terra, dos astros e da perfeição». Um livro extraordinário.

3 comentários:

Liliana disse...

Neste blog deixou de se poder comentar anonimamente, embora pertimos o uso de nick name.

Porque ainda antes da efectivação dessa alteração recebemos um comentário anónimo, aqui fica o respectivo conteúdo:

"«Sei apenas que me veio uma vontade imensa de te amar. De te amar no impossível, que é onde vale a pena todo o possível. De te amar onde nada seja real. No absoluto. Onde não há miséria e degradação e abandono e maus cheiros. Nem podridão e desespero humano. Nem loucura. Nem morte». Mónica!

Quem é a Mónica? A amada do João Vieira?
E porque é que o o amor «está já na terra da impossibilidade, perdidas todas as esperanças, sobejando só o mundo que poderia ter sido»? Ela não o ama?
Ou será que aquilo que verdadeiramente torna o amor impossível é o facto da «vergonha de um amar serôdio» e o medo do ridículo serem mais fortes que esse amor?"

M.C.R. disse...

Tenho por mim que o "irrascível" Virgílio Ferreira teria ficado enternecido com esta excelente nota de leitura. em poucas palavras diz (bem, muito bem) tudo sem contudo contar a história. suscita a vontade de ler mesmo a um leitor (este) que já leu o livro.
andamos perdidos num mundillo literatoide em que as críticas a livros não o são, bem pelo contrário não passam de textos pretensiosos a arrotar postas de pescada, normalmente o esforçado leitor que as lê fica com uma dor de cabeça e sobretudo jura para si mesmo que se a crítica é aquilo, então aquilo deve ser um vomitório. dá a ideia que o "crítico" odeia o autor e que em duas penadas escreveria um texto mil vezes melhor.
JAB fala do que gosta e com gosto. Já o sabia mas agora é tempo de o dizer. E de agradecer.

Liliana disse...

refer~encia a este post no blog da Editora quetzal:
http://quetzal.blogs.sapo.pt/70718.html