(Este texto é parte de um outro mais longo publicado no blog “incursões”. Não é meu hábito contrabandear textos (mesmo os meus) mas a Liliana insistiu em que o reeditasse aqui. As mulheres mandam (até ganham o Nobel!) pelo que não tive outra alternativa senão servir vinho velho em odre novo.)
Há Nobel e Nobel, basta escolher
O Nobel da literatura em si pouco me diz. Quantos premiados não estão, desde há muito, sepultados sob uma espessa capa de esquecimento e silêncio?
Claro que se pode sempre dizer que o esquecimento afecta também alguns dos grandes, Gide, por exemplo, de que em Portugal não deve haver actualmente uma única edição recente. Todavia, poder-se-ia retorquir que isso, esse ocasional desinteresse, tem mais a ver com a incultura de alguns, com a ganância dos editores que diariamente nos despejam toneladas de livros que só se vendem graças á publicidade, às capas berrantes, aos pagamentos (que os há) a livreiros para exibirem vantajosamente os seus subprodutos nas estantes mais à vista dos incautos.
Ora, há uns largos anos, mais propriamente em Maio de 93, numa surtida à livraria, caiu-me o olho num livrinho fino, modesto, sem capa apelativa mas com um título definitivamente extravagante: “O homem é um grande faisão sobre a terra”. Eu não sabia que aquilo era um provérbio da minoria alemã da Roménia e que apenas significava que, neste mundo, o homem se move tão deselegantemente quanto o voo do faisão. Isso aprendi com o livrinho, em tardia leitura, que –como é hábito – fiz muito tempo depois. Os compradores compulsivos arrastam consigo um deficit de leitura tremendo em relação ás pilhas de livros que vão acumulando. No caso em apreço foi um erro. Trata-se de um romance extremamente bem feito, melhor contado, em capítulos breves, densos, numa linguagem poética e, ao mesmo tempo, devastadoramente expressiva, quase coloquial.
Herta Müller, de que só li esta obra, ganhou este ano, para geral surpresa o Nobel. Os “derrotados” (se de derrotados se pode falar) terão sido, entre outros, Roth, Llosa ou Amos Oz, autores consagradíssimos, com obra extensa e notável. Pessoalmente juntar-lhes-ia Cláudio Magris um dos mais brilhantes exemplos da misteriosa literatura triestina, cidade que muito me seduziu e que atraiu intelectuais como Joyce ou Svevo (dois não premiados...).
Vale a pena ler esta escassa centena de páginas que uma editora corajosa (cotovia) publicou em 93 (há dezasseis anos!) e que não terá despertado grandes entusiasmos por cá. Não sei se ainda por aí circulam alguns exemplares para venda. E, no caso de circularem, se ainda custam oito euros (ou, como vejo no meu exemplar, 1680$00, que não era propriamente um preço de amigo para tão pouco livro.) mas, se permitem um conselho, vão por ele, é boa leitura, a letra é grande, a capa é de uma simplicidade desarmante e... (ao contrario de estrepitosas e recentes novidades) aquilo fala mesmo de nós, da nossa humana e mortal condição, e do que outros fazem de nós (ou tentam fazer, mas isso é outra história).
1 comentário:
A atribuição dos Prémios Nobel têm muito que se lhe diga. A Academia Sueca por vezes até acerta, como será o caso da Herta Müller. Agora só falta disponibilizar no escaparate das livrarias esses tais livros que ainda têm o condão de alimentar esta nossa ânsia de tocar o inefável, para que os fascínios da leitura permaneçam activos e actuantes.
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