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AGENDA

18/06/10

Saramago e os fascínios do elefante

«Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam.»
José Saramago, A Viagem do Elefante (2008)
Saiu mais um romance de Saramago. No passado, teria corrido a uma livraria para o comprar e decifrar de imediato. Desta feita, fui mais comedido. Adquiri-o sem precipitações e resolvi guardar a leitura para o Natal. Um bom propósito para cumprir à risca. O fascínio do título, todavia, foi mais forte. Lembrei-me de um outro de Lobo Antunes em que se equacionava a lendária Memória de Elefante. O subconsciente tem destas perversidades. Ao chegar a casa, já o tinha folheado de fio a pavio. Abreviando, em menos de um ai, já conhecia todas as aventuras/desventuras d' A Viagem do Elefante (2008). Afinal, o livro não falava de hospitais, nem de psiquiatras, nem de divórcios, nem dos traumas da guerra colonial. Respirei de alívio.

Conta-nos, isso sim, a epopeia do elefante Salomão desde a corte de D. João III em Lisboa até à de Maximiliano da Áustria em Viena. Corriam os anos de 1551-1552 e a época era fértil em embaixadas exóticas. D. Manuel I já brindara o Papa Leão X com um outro paquiderme em 1514, que o povo romano baptizaria de Annone e a arte renascentista de Rafael imortalizaria. A ideia da peregrinação até é curiosa e convida aos grandes resumos. Não o farei. O original será sempre mais proveitoso. A mestria do autor é esmagadora. Inimitável.

Alguém muito próximo confidenciou-me ter feito as pazes com Saramago. Tinha voltado à velha ironia-humor-sarcasmo. Pessoalmente, dispenso apaziguar-me com quem nunca me desavim abertamente. Mantive-me fiel à sua escrita, mas perdi um pouco o encanto dos tempos áureos em que as passarolas e jangadas nos conduziam ao universo encantado do real maravilhoso. Continuou a cativar-me, mas deixou de me surpreender. A fasquia foi colocada tão alto pelo próprio romancista, que agora nem ele mesmo a consegue ultrapassar. São os paradoxos da genialidade.

Chegou a vez do elefante nos convidar a acompanhá-lo nessa sua jornada pela Europa dos Impérios Quinhentistas. Aceitemos o desafio. Partamos com ele. Façamo-nos à estrada. Em boa hora. Já. Sem demoras nem hesitações. É que, como se afirma n’ O Livro dos Itinerários: «sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam».

NOTA:
Junho foi um mês aziago para as letras portuguesas. Primeiro foi o João Aguiar que respondeu à voz dos deuses, agora é o José Saramago que se viu obrigado a responder às intermitências da morte. No dia 3 recorri a uma pequena crónica que já publicara em Janeiro de 2009 no jornal electrónico Contemporâneo, hoje dia 18 recorro a uma outra publicada em Dezembro de 2008 nesse mesmo espaço informativo. Mais uma vez, transcrevo-o aqui tal e qual, sem acrescentar uma palavra às 300 originais que me foram encomendadas.

2 comentários:

susemad disse...

Esta "Viagem do Elefante" é fascinante! Assim como tantos outros de Saramago. Ainda não li toda a sua obra, mas até ao momento o meu eleito continua a ser "Memorial do Convento".
Um contador de histórias único, que deixa-nos a sua obra para continuarmos a deliciar-nos. Sim, porque essa será eterna!

Tina disse...

Na realidade, A Viagem do Elefante não se encontra entre os meus preferidos. Saramago deu-me horas incontáveis de prazer na leitura. Incontáveis porque já não é a primeira vez que releio algumas passsagens de livros que me cativaram, como O Memorial do Convento, História do Cerco de Lisboa, O Ano da Morte de Ricardo Reis, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Manual de Pintura e Caligrafia... E é precisamnete pelo que o Prof. Artur refere: a minha expetativa quando aperece (aparecia) um novo livro de Saramago era sempre alta, ao nível a que ele me habituou. Mas não é humanamente possível e eu devera ter isso presente, atendendo à idade proveta do nosso único Prémio Nobel de Literatura, em 1998, ano da Expo de Lisboa, que nos encheu de orgulho.