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AGENDA

01/03/10

Luís Sepúlveda e a sabedoria do velho que lia romances de amor

«Antonio José Bolívar Proaño dormía poco. A lo más, cinco horas por la noche y dos a la hora de la siesta. Con eso le bastaba. El resto del tiempo lo dedicaba a las novelas, a divagar acerca de los misterios del amor y a imaginarse los lugares donde acontecían las historias.»
Luis Sepúlveda, Un viejo que leía novelas de amor (1989)
Mais de cinco milhões de exemplares vendidos. Nem menos. Assim reza na capa da edição de bolso que me serviu de prancha de lançamento para a descoberta do mais celebrado título de Luis Sepúlveda, O velho que lia romances de amor (1989). Como a grandeza de um livro não se mede nem pelo número de páginas que o autor compôs, nem pelo número de exemplares que o editor vendeu, resolvi tirar as teimas e lançar-me à leitura da obra, do anunciado e publicitado bestseller chileno. Como não gosto de alimentar preconceitos, estou confiante que este tipo de texto também pode ter qualidade. Depois, gostaria de continuar a confiar no Plano Nacional de Leitura, especialmente recomendado com a marca «LeR+».

A história é simples e deixa-se resumir em poucas palavras. Fala-nos de um homem que encontrou um universo de referências mágicas encerradas nas páginas dos livros, todas elas à espera de serem percorridas lentamente pelo olhar atento de alguém que lhes dê a liberdade merecida. Antonio José Bolívar Proeño, o velho que lia romances de amor, elegeu aqueles que «contam a história de duas pessoas que se conhecem, se amam e lutam por vencer as dificuldades que as impedem de ser felizes». Nada mais. Fê-lo conscientemente, depois de ter afastado outras temáticas menos tentadoras, menos reveladoras de verdades absolutas a que o seu estado de espírito sequioso de paz interior aspirava e a beleza feito de palavras escritas lhe transmitiam. No final de cada uma dessas viagens solitárias pelo mundo insondável da fantasia, o resultado é sempre o mesmo. Embriagante, inexcedível, insuperável. O mais extraordinário, é que se apercebeu que o acto de ler se podia repetir uma porção indescritível de vezes. A biblioteca que albergava essa fonte de prazer era inesgotável, fascinante, única. Sempre pronta para receber de braços abertos um amigo e lhe revelar os seus mistérios mais secretos.

O mesmo se não pode dizer, com a mesma propriedade, dos recursos naturais oferecidos, desde o início dos tempos, por esse paraíso terrestre em que a acção central do romance real que temos entre mãos se desenrola. A região amazónica, dadora incansável de vida, que a ciência das tribos nativas aprendeu a respeitar e a preservar como dádiva divina e a insensatez dos colonos forasteiros teima em avaliar e tratar como praga diabólica. Ao mundo selvagem dos indígenas aborígenes opõe-se o mundo civilizado dos alienígenas invasores. Pura ironia do autor. A forma pessoal que encontrou para denunciar os atropelos ecológicos que os seres humanos têm causado a esse imenso pulmão/coração da terra que ele tão bem conhece e como poucos tem defendido. A caça desenfreada ao grande gato malhado, à onça feroz que havia dado a morte a quatro exploradores do imenso sertão americano, acaba por ser perpetrada pelo protagonista da fábula. Não com o intuito fugaz de cometer um acto de vingança para com os companheiros desaparecidos, mas com a intenção firme de prestar um acto de justiça piedosa para com a fera ferida e espoliada do seu habitat natural pela cobiça desenfreada dos homens. É que antes de ter começado a ler histórias de amores fingidos, tinha aprendido com os xuar os segredos mais profundos da floresta e dos seres viventes que nela habitam. Tinha logrado ser como eles, mas nunca tinha conseguido ser um deles. Um mero pormenor de percurso com efeitos colossais. Por isso matara com uma arma de fogo e não com um dardo envenenado. Por isso lançara o corpo morto do felino às águas revoltas do rio e o viu afundar-se sem glória. Por isso se pôs a «andar na direcção de El Idílio, da sua choça e dos seus romances, que falavam de amor com palavras tão bonitas que às vezes lhe faziam esquecer a barbárie humana».

Lido o livro, aumentada uma unidade à cifra astronómica de volumes vendidos (quiçá lidos), declaro-me rendido às lições do texto. Espero que este meu encanto incondicional pela novelita seja contagioso e arraste muitos outros amantes das palavras bonitas a juntarem-se ao rol de todos aqueles que também gostam de ler romances de amor e demais géneros literários que a engenho e arte foi criando ao longo dos tempos, para proveito e deleite de todos nós.

4 comentários:

Tina disse...

De Sepúlveda li até agora só o Patagónia Express. Uma crónica-romance dos caminhos já percorridos, das pessoas que se conheceram e não foram esquecidas, da chegada ao destino onde se encontra a sombra dos que já se foram.

Não gosto de romances idílicos, sem um enredo-lição que justifique o verbo que se desata. Luís Sepúlveda escreve desses romances, estórias que nos ensinam o que é a bem-aventurança de sermos e de defendermos o que de melhor existe em nós e neste mundo agredido pela malsã consciência do homem, principal predador (in)consciente do universo onde vive.

Um romance como este é uma dádiva, pois acorda mais uma vez a nossa consciência.

Anónimo disse...

O teu comentário publicado no blog dá-nos de forma sabedora e muito sentida a essência de Sepúlveda e deste excelente livro, (como todos os do autor) tão poderoso na sua simplicidade. A escrita de Sepúlveda é limpida, objectiva e interventiva também, e um convite a acreditar na humanidade..."Por todo o lado encontrei magníficos sonhadores, homens e mulheres que porfiadamente acreditam nos seus sonhos. Mantêm-nos, cultivam-nos, multiplicam-nos. Eu, humildemente, à minha maneira, também fiz o mesmo" Luis Sepulveda em O Poder dos Sonhos.

J J disse...

Luis Sepulveda é uma curiosa mistura do homem armado que esteve com Allende no Palácio de La Moneda até ao fim, do sonhador que viveu nas mais primitivas condições entre os índios da Amazónia, do militante expulso do Partido Comunista e da Universidade de Moscovo por “atentados à moral proletária”,do intelectual que foi amigo de Chico Mendes a quem dedicou este livro…

Aventureiro e sonhador, guerrilheiro e poeta, defensor apaixonado de uma Amazónia não só física mas um espaço ideal onde os valores não foram ainda corrompidos, Luis Sepulveda escreve aqui a sua mais reconhecida obra.

Vinte anos depois é certamente justa esta chamada de atenção.

Isabel Castanheira disse...

Caro Artur:

Foi um prazer acompanhá-lo na sua viagem realizada na companhia de um velho que além de se entender com os felinos, de transaccionar molares e incisivos, de procurar a companhia de damas de discutível moral e de contrabandear histórias que acabam quase sempre com a heroína de lágrimas nos olhos e sorriso nos lábios, a deixar-se embalar pelo abraço forte do seu amor.

“A história do velho que lia romances de amor” assim como a “História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar”, ambas de Luís Sepúlveda são histórias que coloco naquela prateleira de histórias infantis para adultos. Não num sentido depreciativo mas porque conduzem a uma atmosfera de encantamento semelhante à que me fui dado viver na minha infância, quando a leitura era o meu grande mundo de surpreendentes aventuras.

Tive o prazer e o privilégio de entrevistar o Luís Sepúlveda, no decorrer de umas Correntes d’Escritas, na Póvoa do Varzim.

Grande, todo vestido de preto, de barba serrada, de óculos escudos, não se mostrava, à distância, muito sociável…

Ganhei alento, acerquei-me, confessei-me livreira, sem saber falar castelhano mas amante de gatos…

Conversámos durante um bom bocado e de tão seduzida, até vi o Zorbas (o seu gato) a ronronar ao Gil Vicente (o meu gato), ambos a roçarem-se nas nossas pernas e depois a saltarem para as páginas dos livros que trazíamos de braçado…

Um abraço
Isabel