A eterna juventude de um clássico
A editora “tinta da China” acaba de publicar a contra-corrente dos “best-sellers” indígenas que nos impingem, o extraordinário “Os cadernos de Pickuick” tradução um tanto ou quanto livre dos “Postumous Papers of the Pickuick club” um dos mais célebres títulos de Dickens (e dos que lhe rendeu mais dinheiro...).
Propor aos leitores este livros é a tarefa mais fácil e mais simpática que esta semana me cabe levar a cabo. Acreditem que este livro merece estar ao lado dos grandes, dos verdadeiros, dos “a sério”, sejam eles o Quixote, a Cartuxa de Parma, ou o À procura do tempo perdido.
De vez em quando faz bem ler um livro desopilante, um manancial da melhor picaresca inglesa, uma descrição do que me atrevo a chamar uma viagem iniciática. E iniciática a tudo: á vida, ao humor, a Dickens, e a nossa comum e mortal condição humana.
Eu tenho deste livro uma recordação nebulosa. Não admira: li-o há cerca de quarenta anos na velha edição da Romano Torres (sd) com o título aliciante de “As aventuras extraordinárias do sr. Pickuick”.
Ao ver esta nova edição, fui buscar o meu velho exemplar à estante e resolvi dar a mim próprio um presente para celebrar o “indian summer” já que reservo o S Martinho para as castanhas e o vinho novo. E portanto vou ler o livro convosco se é que vos posso convencer a embarcar com Pickuick, o estudioso da vida dos girinos numa lagoa cerca de Hampstead, os seus extravagantes companheiros do clube Pickuick, numa Inglaterra cheia de surpresas e aventuras com raptos, noivas, duelos, encontros imediatos do primeiro grau com toda a classe de pícaros e charlatães a que não falta uma espécie de Sancho Pança, ou de Passepartout (cito Verne, se me permitem).
Leiam este livro, comprem-no já, e terão sido mais, muito mais, do que escuteiros: é um grande livro, é uma pedrada no charco da edição tristonha que temos, é um verdadeiro e eterno clássico, está bem escrito e vão-se divertir como cabindas.
Ah, esquecia-me, ao comprá-lo, provam que é possível apoiar uma editora pequena interessada na cultura e não em mercadoria vagamente literária. Que grande programa!
2 comentários:
Não li «As aventuras extraordinárias do sr. Pickuick» na velha edição da Romano Torres, mas fiquei com vontade de ler «Os cadernos de Pickuick» da nova edição da Tinta da China. A escrita do MCR convenceu-me a embarcar nessa descoberta. Na minha meninice, visitei com muito prazer e alguma tranquilidade os textos do Charles Dickens. É que eu já sabia à partida que, no final dos relatos, os jovens biografados eram sempre resgatados dos tormentos que a vida momentaneamente lhes concedera. Na picaresca castelhana, o destino desses perseguidos da fortuna não conhece o «happy ending» da «picaresca inglesa». Os velhos mestres barrocos do romance de aprendizagem tinham, de facto, uma visão bem mais realista da realidade que os rodeava do que a documentada por esse nome sagrado da era vitoriana. As épocas em que uns e outros se movimentaram eram mesmo outras.
É bem verdade o que escreve sobre as diferenças de picaresca, se é que se pode falar de picaresca inglesa... (Tom Jones? Também?)
Dickens, como também finamente observa, estava imbuído de uma série de valores de época que se ancoram firmemente numa teoria de salvação bem de acordo com os tempos em que escreveu e com um certo optimismo histórico e social de que ele acaba por ser arauto.
fico satisfeito por ter tido uma pequeníssima influência na sua futura leitura. Tenho uma certeza: vai saber-lhe a pouco... porque apesar da extensão o livro acaba. confesso-lhe, à puridade, que num momento grave e dificil da minha prosaica vida política nos tempos da outra senhora, inventei, em Caxias, um club pickuick para retratar esses dias não muito entusiasmantes. Ainda devo ter perdidos lá por casa cartas que um pickuick aprendiz escrevia às autoridades carcerárias.
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