Para o capitão Henrique Galvão, o assalto ao Santa Maria foi uma vitória. Para o comandante Jorge Soutomaior, um fracasso. José António Barreiros traduziu o relato de Soutomaior. O resultado, diz, é um livro que dá uma visão diferente daquela operação
Chama-se Eu Roubei o Santa Maria - relato de uma aventura real. É uma visão diferente do que se passou entre a madrugada de 22 de Janeiro e o dia 2 de Fevereiro de 1961, quando o paquete Santa Maria foi tomado por ex-combatentes galegos da Guerra Civil de Espanha e dissidentes do Estado Novo. O advogado José António Barreiros traduziu o relato escrito em 1972 pelo comandante Jorge Soutomaior, herói na Guerra Civil espanhola, que conta a sua versão dos bastidores da operação. O livro é lançado na próxima quarta-feira.
Porque decidiu traduzir o livro Eu Roubei o Santa Maria?
Porque esta versão do apresamento do Santa Maria era ignorada, apesar de ter sido escrita em 1972.
Vingava ainda na memória colectiva a narrativa de Henrique Galvão, assente numa lógica de "culto da personalidade", que esquecia a verdadeira natureza política galaico-portuguesa do Directório Revolucionário Ibérico de Libertação (DRIL) e fazia tábua rasa das contradições internas e internacionais do acto. Havia que abrir caminho ao outro lado da História. Os historiadores que digam onde está a verdade.
Que papel teve o comandante galego na tomada do Santa Maria?
Soutomaior, oficial de Marinha, foi o responsável pela operação militar de tomada do navio e condução do mesmo, sendo Henrique Galvão o dirigente político. Do ataque resultou a funesta morte do piloto Nascimento Costa e ferimentos em outros oficiais. Salazar tentou que o acto fosse considerado como pirataria, mas acabou por ser reconhecido pelos EUA como um acto de beligerância legítima, tendo o Brasil dado asilo político aos ocupantes do navio.
Quem era Jorge Soutomaior?
Jorge Soutomaior é o nome de guerra de um galego, herói na Guerra Civil espanhola do lado republicano. Chamava-se José Hernández Vázquez. Nasceu em 1904. Refugiado na Venezuela, formou com o professor Velo Mosquera um movimento de libertação da Galiza.É nesse quadro que pactuam com o general Humberto Delgado, em Caracas, e fundam o Directório Revolucionário Ibérico de Libertação, movimento que visava criar uma Ibéria livre das ditaduras peninsulares. Morreu no final dos anos oitenta.
Diz que o relato de Soutomaior dá uma versão diferente da história do Santa Maria. Pode concretizar?
Há substanciais diferenças. Por um lado, conta a origem do DRIL, o papel dos galegos neste movimento, a sua participação na tomada do barco. Depois, porque detalha os conflitos ideológicos e de personalidade entre Soutomaior e José Velo com Henrique Galvão, que Soutomaior considera um traidor à causa, e com Humberto Delgado. Além disso, este livro explica também o papel desempenhado pelos norte-americanos e os brasileiros no desfecho da operação, nomeadamente no campo do apoio que estes países deram à luta anticolonialista. O ataque ao Santa Maria inseriu-se não só na luta contra as ditaduras ibéricas mas também na luta contra o colonialismo. E aqui os portugueses não tinham a mesma visão das coisas. A tese de Galvão é a de que do assalto resultou uma vitória. Para Soutomaior, no entanto, foi um fracasso. Para o capitão, foi um acto de heroicidade lusitana, para o comandante, um esforço frustrado de um colectivo galaico-português.
As origens políticas de Delgado e Galvão e de Velo e Soutomaior auguravam um relacionamento difícil?
Os detractores de Delgado e Galvão apodaram-nos de "fascistas dissidentes", por serem figuras directamente ligadas ao Estado Novo e às suas instituições, enquanto Velo e Soutomaior têm um passado de luta no campo republicano e antifranquista. Além disso, os galegos são pela independência das colónias como forma de se alcançar subsequentemente a democracia na Península Ibérica, ao passo que Delgado e Galvão entendem que as colónias fazem parte do "património histórico" de Portugal.
Pode associar-se a tomada do paquete ao início da guerra colonial em Angola, no dia 4 de Fevereiro de 1961?
Pode. Um dos sentidos estratégicos da operação seria o rumo a Angola, onde a situação estava preparada. Em que medida haverá em tudo isto mão americana, eis a questão. A Marinha dos EUA, mau grado a radiogoniometria, só localizou o Santa Maria quatro dias depois, permitindo que fosse uma plataforma de propaganda mundial contra a política colonial de Salazar.
O arranque da insurgência em Angola decorre de apoios americanos, antes de a URSS se comprometer, através de Cuba, no esforço de guerra civil que levaria à independência de Angola. Sucede que o DRIL era um movimento de galegos apoiado pelo regime cubano de Fidel Castro, de ascendência galega. Eis nisto as contradições estratégicas da operação e, afinal, da história da "descolonização exemplar".
LANÇAMENTO: 22 Set., 18h30 Museu de Marinha, Lisboa
APRESENTAÇÂO: 2 de Out., 21h30 Pátio de Letras, Faro
LANÇAMENTO: 22 Set., 18h30 Museu de Marinha, Lisboa
APRESENTAÇÂO: 2 de Out., 21h30 Pátio de Letras, Faro
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